terça-feira, 29 de maio de 2012

- garoa, café e cigarros



Ela desperta no meio da noite e caminha em direção da grande janela.
Senta e se põe a escrever outras linhas:

- "Acordei assustada, havia sonhado contigo.
De novo.
Provavelmente estivera gritando o teu nome pela madrugada.
É, os vizinhos vão reclamar.
De novo.
Sem que o sono me embalasse, me sentei aqui na janela para ver a dança da chuva na escuridão.
'Janela..? Não, isso está mais pra parede de vidro' me disseste certa vez, 'uma grande parede de vidro. Um retrato das cinzas da cidade. Dá até impressão que a possuímos, pequena, parece até que somos donos da cidade.'
Donos da cidade... Seria bom obter algo assim tão imponente quanto a 'terra da garoa', mas, sinceramente, ainda preferiria ser dona do teu coração, moço.
Ah, sim, o teu coração...
Eu fico vendo o caminho das gotas de chuva correndo chorosas, tristonhas.
Tal qual aquele dia que foste embora.
Ou era dia de sol?
Não lembro de ter visto outra cor no céu depois daquele teu sorriso de adeus.
Sinto falta, moço. E por mais que isso lhe soe demasiado romântico, e romantismo seja algo um tanto inesperado vindo minha pessoa, em noites assim, mal dormidas e cheias de memórias, costumo imaginar-te batendo a porta para me confortar.
Ou me iludir.
Que seja.
Bate a porta e estás molhado, pego pela chuva enquanto voltava daquele bar ali da esquina que tu tanto gostas.
Bêbado e falando palavrões, mas tudo bem, conheço esse teu jeito de demonstrar-se.
E então tu paras.
Paras e me olha tão lúcido que ninguém acreditaria que há pouco beberas tanto.
E me beija.
Meio bruto, meio bobo, mas beija.
E eu ,que já era tua há muito tempo, não nego o que tanto quero.
E tu... Tu diz que me ama e pergunta se ainda há chances de algo dar certo dessa vez.
De novo.
Digo que sonhei contigo.
E tu abres aquele sorriso que tanto me fascina.
Ah, moço, tu sabes que nem sempre dá certo mas minha resposta sempre será sim.
E em meio ao sorriso, te abraço.
E o abraço vira beijo.
E o beijo vira mordida.
E quando a gente se dá conta, já nos enroscamos naquele edredom azul velho com cheiro de café e cigarro.
Mas aí eu acordo e a realidade me lembra que já estás longe com qualquer outra, me esquecendo à sua maneira.
E eu fico aqui, sentada na janela vendo as gotas da garoa caírem chorosas..."


De repente, alguém bate a porta.
Ela assustada, pergunta que é e recebe a melhor resposta que um bêbado qualquer jamais conseguiria formular.
E as gotas chorosas da garoa tornam a sorrir limpando o céu e fazendo o dia nascer com o sol mais brilhante que São Paulo inteira já viu.
Assim como ela.
E ele diz que a ama.
Eles se enroscam naquele edredom azul com cheiro de café e cigarro.
A cidade era deles.
De novo.
- Bruna Vieira

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