Chovia.
Era um dia perfeito para sair do cômodo azul escuro e ir ver as gotas de chuva cortar o céu cinza ao som de uma boa música.
E Kaline sabia disso.
Enquanto a voz de Marcelo Camelo se adequava a melodia da casa, a menina e seu cigarro viam a chuva dançar.
Até que ele abriu o portão, entrando na casa que não era sua para se proteger do que tanto a fascinava. Alegava à ela ter perdido a chave.
Ela não reclamara, havia saído de seu transe chuvoso tão inesperadamente que mal pôde raciocinar que a presença de seu vizinho era demasiado irônica. Jogou a bituca fora.
De recepção, ela nada entendia, e ele, querendo manter-se seco em sua casa, não era lá um convidado muito cortês.
- Então, foi mal. Dá pra entrar em casa pelo corredor ali de fora?
- Olha, não sei. Acho meio impossível. Talvez seja melhor você ligar pr'um chaveiro e esperar aqui mesmo.
- Impossível como? - ele retrucou sem hesitar.
- Bom, você meio que precisaria ser um "ninja" pra passar por ali.
- Talvez eu possa ser.
- Duvido muito. - sua teimosia a irritava, aquilo era um desafio.
Querendo provar o erro de sua vizinha, Rafael se dirigiu à janela do quarto para observar o que supostamente poderia superar.
Bom, foi em vão.
Após Kaline apontar sua possível saída de fuga, Rafael, então, admitiu que jamais conseguiria.
Admitiu em partes, claro. Sua soberba não era tão confrontável quanto suas roupas um pouco molhadas, seria preciso um pouco mais.
Contrariado, pegou o catálogo velho que sua vizinha achara e discou o número do chaveiro. O serviço demoraria por conta da chuva; motivo que fez Rafael detesta-la mais ainda.
- Ah, eu adoro a chuva, - ela atreveu-se - tenho uma certa obsessão por ela.
- Pois hoje, tenho a odiado em particular, sabia? - revidou.
Seria uma briga das boas se não fosse pela introdução sedutora de "Samba A Dois" que ele percebeu.
- Olha, Los Hermanos... Já tinha te visto ouvir algumas vezes. Pelo menos, tu tens um certo bom gosto. - Era quase um elogio, se não viesse dele, claro.
- Com certeza. É só minha banda favorita. - ela disse apontando o rosto barbado em sua camiseta.
Ele, jogando um meio sorriso travesso, observou o corpo de Kaline, porém, agora, uma nova concepção passara por sua mente.
- Ficaria melhor em mim. Garanto. - seria outro desafio?
Ela riu. - Quer dizer que gostou da minha camiseta, é? Eu sei, ela é perfeita.
- Ficaria, se eu estivesse usando. Posso provar?
Não seria um pedido tão estranho se não fosse pelo olhar malicioso que ele exibia.
- Ah, pode. Só não acho que vá servir, sabe... - seu sorriso também mudara - Vou lá tirar, espera aí.
- Não precisa... - ele aproximou o rosto cautelosamente ao seu pescoço, degustando da apreensão que tomou conta das feições dela. Segurou a barra da camiseta cinza e sussurrou em seu ouvido: - Acho que eu mesmo posso tirá-la.
E pousou os lábios delicadamente sobre sua jugular.
Um arrepio percorreu a nuca de Kaline, suas mãos trêmulas procuravam por apoio mas só encontraram os ombros do rapaz que sorvia-lhe o colo, ao que as mãos dele invadiam e exploravam seu corpo por sob o pano das vestes.
- Sabe, - disse ele aproximando os lábios aos seus - tenho te observado já faz um tempo...
- Eu também tenho reparado em você. - ela interrompeu sussurrando.
- Bom, então... - ele deu um suspiro fingido - Acho que a gente podia, sei lá, se conhecer melhor... Mais de perto...?
O beijo dela respondeu tudo.
Seus corpos já embebecidos de lascívia, já se queriam inevitavelmente. A malícia do toque das peles e a cobiça que o beijo provocava, ao invés de saciar, só intensificava.
Já entregues às mãos da perdição humana, tiravam suas roupas e deitavam-se à cama no cômodo escuro.
O barulho da chuva aumentava tal qual quanto a líbido crescente entre eles.
Ainda possessos de competitividade, brigavam a fim de querer-se mais e mais. Ele a mordia, ela o arranhava.
Entre gemidos e suspiros, os corpos nus se entrelaçavam no anseio nocivo do proibido.
Ele pervertendo sua inocência, ela adorando a perdição em êxtase.
Por fim, ele satisfeito, passou a vestir suas roupas já secas de tanto esperar. Kaline estendida na cama sorria ao reparar o que acabara de fazer. Levantou-se e pôs-se a vestir também.
Pois é, o proibido fascinara tanto um quanto outro.
Rafael repara no chamado ao portão. A chuva havia parado e o chaveiro chegara.
Gritou para que o homem à porta esperasse.
Após um breve instante de reflexão e risos confusos, aproximou-se novamente ao ouvido de sua vizinha e a agradeceu pelo "abrigo afetuoso" que ela o dera.
- A propósito, - ele disse - qual é seu nome mesmo?
Bruna, vizinho também é fetiche.
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